Xavante

Nossos avós maternos, Damião e Laura, criavam aves em seu quintal. Havia, citando Belchior, galos, noites e quintais, àquela época. Patos, perus e guinéis também faziam a festa naquele ambiente. Meu avô construiu um tanque rasteiro misto de lago e bebedouro, para que os patos nadassem. Me lembro de um casal de patos cujo macho, apelidado de Xavante, pois o preto esverdeado das penas de sua cabeça mais parecia a cor das cabeleiras resplandecentes dos índios guerreiros xavantes do Xingu, dominava aquele ambiente e destacava-se dos outros pela suas extravagantes cores quase metálicas. Não sei quem o batizou assim, mas deve ter sido uma das minhas tias sensibilizada pelo exotismo das fotos de aborígenes estampadas nas reportagens de aventuras das páginas da revista “O Cruzeiro”.
Bem, o certo é que o dito pato Xavante tinha uma companheira de cor marrom com alguns pontilhados negros nas asas e no dorso. É o tão chamado dimorfismo sexual. A natureza dotou, na maioria das espécies, os machos com atrativos visuais aberrantes para a atração da fêmea na época do acasalamento e para identificação e distinção entre os outros machos de sua categoria. Leio isso tudo agora na Wikipédia e fico impactado com o fato de que esse casal de patos era de uma raça pura e selvagem e que habita, ainda hoje, a Ásia, a América do Norte, a Europa e as regiões sub-tropicais do globo terrestre. Anas plathyrhyncus é o nome científico da espécie. Não me perguntem como eles chegaram ao quintal dos meus avós, nem o sabor que eles tinham quando assados, na mesa dos deliciosos pratos servidos no casamento de um certo tio, irmão da minha mãe.

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Pandemia solidária

Nessa pandemia

O que me conforta

São os exemplos simples

Solitários e pontuais

De solidariedade.

São pessoas 

Que não têm

Onde mortas caírem

Mas que não suportam

Verem os que sofrem,

Os desvalidos, os famintos

Os desesperados, os esquecidos

Sem se sentirem desafiadas

E se desdobram e se compadecem,

Vão à luta e compram a causa.

E aí envolvem outros que acorrem

Àquele chamamento humanitário

E por fim percebem 

Que juntos conseguem

Mudar aquela triste realidade.

Tantos exemplos

De sofrimentos

Pelo país afora

Tantas mudanças

De comportamentos

Quantos empoderamentos

Surgiram e surgirão

Daqui pra frente sem demora

O mundo não será mais o mesmo

A partir de hoje e agora

A humanidade vive

Uma  profunda revolução

Os homens sobreviventes

Nunca mais inocentes

Os mesmos serão

E assim pacificamente

Os homens eternamente

Serão enfim todos irmãos!

Voltando a pintar

Hoje, depois de vários meses inativo, fui ao atelier e finalmente tive coragem e vontade de voltar a mexer com tintas, pincéis e telas. Estava com a inspiração truncada e trancada. Esses períodos de inapetência me ocorrem de vez em quando. Por exemplo: depois da morte de meu pai, fiquei por seis anos sem pintar nada. Mas, agora, aos poucos, estou voltando a me interessar novamente pela arte. Hoje fiz um estudo imaginário sobre uma natureza morta. Gostei!

Sobre pinturas.

A campahinha acabou de tocar. Fui atender e era o carteiro. Trouxe um pacote para mim. Não sabia mais o que era. Achei que fosse um presente de minha filha Larissa, que mora nos EUA. Como não tinha remetente abri um pouco receoso. Qual não foi o meu espanto! Era um estojo de aquarela que me enviaram pela Amazon. Abri o pacote e lá estava o presente e um cartão de aniversário da minha querida filha. Obrigado, querida!

Happy birthday!

Ano dois mil e vinte

Dia de aniversário.

Dia dezoito de fevereiro

De um distante ano

Mil novecentos

E cinquenta e oito.

Santo Claudio

No calendário

Um dia manco

Em que Deus me deu

À minha mãezinha

Que veio com a vizinha

À maternidade de Frei Martinho

E o marido, inebriado pela folia

Daquela madrugada fria

De final de carnaval

Lembrado por alguém

Veio todo entalcado

Festivo e embriagado

Conferir o ser amado

Que acabava de nascer

E também parabenizar

A amada, extenuada, estafada

Mulher que me pariu

Transformando-o assim

Em meu eterno pai.

Sobre perdas

Congonhas. Minas Gerais. Igreja do Senhor de Bom Jesus de Matosinhos. Escultura, em pedra-sabão, de um dos profetas bíblicos, do Aleijadinho.

A questão é que nós vivemos perdendo pessoas todos os dias. A Morte, a grande ceifadora, cuida que a cada dia nos percebamos simples e míseros mortais. O processo natural é quase sempre aguardado e rotineiro quando ela vem acompanhada do Senhor Tempo, pois nós, os viventes, temos prazos de validades a cumprir. Biologicamente falando somos feitos para durarmos um certo período de anos com pequenas variações, a sopesar as caracteristicas genéticas, as condições de vida que desfrutamos, as oportunidades que se nos apresentam, as adversidades que enfrentamos, a sorte benfazeja ou a má fortuna que nos bafeja estados positivos ou negativos de preservação das nossas existências. A morte é bem vinda quando ao vivente longevo foi-lhe permitido completar todo o seu ciclo biológico e a sua passagem passa a ser um descanso desejado e um esperado fim. Poucos conseguem esta proeza. As pessoas hoje em dia têm uma pressa exagerada e são superocupadas, ansiosas e estressadas. Vivem a trabalhar excessivamente para consumirem, o mais completo e rapidamente possível, o fútil, o descartável, o desnecessário e o volátil. Aos prazeres mundanos tradicionais associaram-se novas modalidades de satisfações de limites nunca dantes disponibilizados. O fácil acesso às novas tecnologias levam os incautos viajantes à busca desenfreada do máximo estupor das sensações corpóreas e experiências alucinantes perscrutam trilhas de emoções jamais imaginadas. As pessoas sabem que a morte é a única coisa certa e inevitável na vida de cada um, mas vivem como se jamais fossem morrer. A vida é para ser vivida, mas a morte, também, é para ser morrida. O modo de conviver com a morte é também cultural, mas a aceitação da morte natural iminente é apanágio daqueles que viveram por completo todas as etapas da vida e, agora em seus fins, não lhes restam sentimentos de falta, de frustração, de revolta, de pânico, mas sim o desejo contrito do término de uma longa jornada, do apagamento existencial em seu descanso final.  Mas o que dizer das outras perdas? Perdas de vidas de forma prematura para a violência, para as doenças incuráveis, para o suicídio, para as drogas, para os acidentes e as perdas para as mortes ditas evitáveis. A única forma de conviver com estas perdas é manter a chama do amor acesa nos corações dos homens. Amor por si próprio, amor pelo próximo, amor pelo ser amado, amor pela família e, sobretudo, amor pela vida em todos os sentidos.

Feliz 2020!

Desejo, a todos de cujas amizades desfruto, um ano novo calmo e tranquilo, cheio de concórdia e prosperidade.
Desejo que não adoeçam, mas se caírem doentes que seja só uma simples e inocente virose
Desejo que os doentes de pronto se recuperem e que lhes voltem a alegria antigamente estampada em seus serenos semblantes.
Desejo que a saúde se mantenha conservada e que o ânimo do espírito esteja sempre altaneiro.
Desejo que suas existências sejam plenas e que comunguem do convívio fraterno e da tolerância necessária à conservação da humanidade.
Desejo que convivam em paz com seus semelhantes e que protejam com afinco e determinação a natureza mãe que nos rodeia.
Desejo que defendam os seu direitos, inclusive o direito de defender os direitos dos outros.
Desejo que conservem as águas e nascentes, rios, lagos e lagoas, mares e oceanos, e charcos e pantanais; e as nascentes.
Desejo que acabem com as queimadas nos campos, com as derrubadas das matas e das florestas.
Desejo que o ar esteja sempre puro e que a poluição sofra uma drástica e profunda redução devido ao trabalho consciente e consistente de todos nesse intento.
Desejo que a fome seja proscrita da terra e que a todos seja ofertada a parcela de alimentos mínima necessária à uma nutrição substancial diária!
Desejo que o trabalho chegue a todos os pais de famílias e jovens que ainda não estejam inseridos no mercado, para que possam sustentar-se dignamente.
Desejo que as crianças sejam amadas e respeitadas e que aprendam na infância somente a sonhar e brincar e que não precisem, nem sejam obrigadas a trabalhar.
Desejo que os jovens possam estudar e ter uma profissão e que se tornem assim adultos respeitáveis, responsáveis e sãos.
Desejo que as drogas sejam banidas deste mundo e que ninguém mais as use nem por vício, nem por diversao.
Desejo que os homens possam um dia acabar com a corrupção e que ela se torne um dos crimes mais hediondos e do qual os homens tenham terrível abominação.
Desejo que os homens conservem a fauna e a flora com todas as suas forças pois estarão defendendo assim a sobrevivência da própria espécie humana.
Desejo que os idosos sejam reconhecidos por suas experiências e saberes e plenamente respeitados e protegidos em suas longevas vidas.
Desejo que o amor seja o motivo máximo que ordene a vida e que todos possam, amando em liberdade, viver felizes e em paz enquanto existirem.
É tudo isso e é só isso o que eu desejo para todos nós! Feliz Ano Novo! Bem vindo 2020!
Edmar Claudio.

Os velhos brinquedos e o novo brincar.

Aguardo minha consulta sentado no sofá da sala de espera do psicólogo. Cheguei mais cedo do trabalho e isso me dá a oportunidade de explorar visualmente os pormenores do ambiente e dos clientes que por ali transitam. Na chegada tive que registrar minha digital perante a atendente. Ela sorri educadamente para mim e eu fico imaginando que os homens, quanto mais avançam nos conhecimentos da tecnologia, mais se aprofundam nas trevas da ignorância. Passei a minha vida estudando e um dos primeiros preceitos que adquiri foi que era preciso aprender a ler e escrever, pois os analfabetos usavam a impressão digital como prova de tal desconhecimento. E agora, eis-me aqui, com o meu dedo indicador pressionando a maquininha do sensor digital da empresa prestadora de saúde, usando o mesmo artifício dos desletrados na prova física fundamental de minha identidade e existência, embora esteja de corpo e alma em frente à funcionária sorridente. Lanço à mente um trocadilho futurista: Tudo que é moderno hoje já foi obsoleto ontem!

Parodiando Olavo Bilac penso: “Ora, direis, ouvir o ambiente!”. Observo os clientes. Alguns sós, outros acompanhados dos pais, filhos e/ou companheiros. Fixo-me em uma menininha de seus nove a dez aninhos, que, junto ao irmãozinho mais novo, disputa algum tipo de jogo em seu irrequieto e indispensável celular amarelo. Cabelos pretos, escorridos. Magrinha e estirada. Leva os pés, dobrados os joelhos, pressionados no assento do sofá de courino marrom da sala de espera.

Na parede atrás dela encontra-se uma estante de madeira com várias prateleiras e, expostos nelas, como fossem antigos e desconhecidos objetos, vários brinquedos de plástico, madeira e tecido. Todos imóveis em suas inúteis funções. A criança com o celular não vê nem a estante, que dirá os brinquedos ali dispostos. É a dita cegueira cultural. Você só vê o que conhece e o que procura. Drama existencial midiático entre o lúdico ultrapassado e o choque cultural antropológico das novas tecnologias. É uma imagem ao mesmo tempo impactante e nostálgica, confronto entre o conhecimento humano tradicional autônomo e o avanço tecnológico que limita a inteligência humana biológica à uma interface fria e automática. E este atrito humano-pensante versus máquina-inteligente sempre sobrará como dano ao ser humano que não tem as peças de reposição em estoque para consertar a contento os males da alma, da solidão, do amor, da paixão e da própria existência.

Então é Natal!

Não deveria existir cidade mais natalina que Natal, capital do Rio Grande do Norte. Acho até que Jesus deveria morar mesmo por aqui em algum abrigo para idosos, mas sem identificar -se. Assim todos adotariam pelo menos um velhinho solitário abandonado pela vida nesses lares de amparo aos senescentes na esperança dele ser o salvador redivivo e que, numa acertada escolha da fortuna, fossem ungidos pela vida eterna e por todas as benesses advindas do fato dele, o escolhido, ser mesmo o filho do criador. Seria assim como uma loteria natalina divinal. Cada família ou pessoa interessada iria aos lares assistenciais, aos casebres dos idosos desassistidos, aos velhinhos pedintes que sobrevivem mendigando, aos senis que não têm teto, aos velhos loucos internados em instituições ou acorrentados em quartos escuros e úmidos, carregando em seus sofrimentos a vergonha e, digamos também, o sofrimento oculto de familiares e cuidadores, eles também desassistidos. Então todos receberiam um cartão com um número ao levá-los para suas casas na antevéspera do Natal. Preencheriam um cadastro se comprometendo a protegê-lo e cuidá-lo com carinho. Alimentá-lo bem, zelar por sua higiene e presenteá-lo com vestes dignas e confortáveis seriam pressupostos básicos para participarem, caso assim não procedessem seriam desclassificados sem direito a recorrer ao Supremo Pai. Na noite de Natal, decorrida a missa do galo, seria sorteado o número vencedor que identificaria o velhinho sorteado como sendo o filho unigênito de Deus e, consequentemente, o cuidador temporário adotivo seria abençoado com toda a pompa pelas trombetas dos anjos celestiais , seu nome seria divulgado entre os quatro cantos da cidade e ele ganharia o selo de ouro celestial que lhe daria direito a entrar direto para o céu sem nenhum intermediário ou agência de viagem. Eis que, na hora acertada, ao cantar madrugador do galo e aos madrigais dos anjos cantores, a bola sorteada, como por encanto, teria aos olhos de cada pessoa o número que cada um dos cuidadores tivessem consigo e todos se sentiriam agraciados com o fato de terem cuidado tão bem e desinteressadamente daquele que doou sua vida na cruz para redimir os homens dos seus pecados. E assim os natalenses, herdeiros do milagre natalino, abençoado pelos reis magos, seriam todos salvos pela misericórdia divina pelo simples fato de cuidar, respeitar e amar um seu semelhante. Este é o caminho da salvação. Ser um ser humano e cuidar bem da humanidade.

O motivo para viver

A vida só tem sentido quando encontramos um ânimo para seguir em frente e, mesmo sofrendo, continuamos no rumo do bem e da fugidia felicidade. Precisamos e podemos transformar a dor em algo útil para nós ou para outrem. Viver significa não desistir sem luta desta breve passagem temporal, quer ela seja pacífica ou turbulenta. A vida é, sem dúvida alguma, a única e suprema dádiva que nos foi permitido experimentar num caminho onde não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos. Aos homens restam a interpretação religiosa, filosófica, espiritual, para compensar o sofrimento e o vazio advindo da incompreensão e do medo. Olhando a imensidão infinita dos universos paralelos, centrífugo e centrípeto, do mais longínquo ao mais ínfimo, lembro da frase do famoso cosmologista Carl Sagan (1934-1996), que foi celebrizada na série “Cosmos” de 1980: “Somos a poeira de estrelas” …e não o barro do chão!